AI-native devices e a hiper-personalização. Será o fim dos sistemas operativos e app stores e como conhecemos?
A IA generativa veio trazer novos caminhos e oportunidades, uma delas é criar as nossas próprias apps
A IA generativa trouxe inúmeras oportunidades. Uma delas é a liberdade e o controlo de podermos criar as nossas próprias apps ou ferramentas. Isto já é possível hoje para os mais curiosos, através de plataformas de vibe-code ou até no-code. Entre as mais recentes e conhecidas estão a Lovable, V0 , Bolt ou Cursor. No entanto, o que a Nothing nos traz vai para além disso.
Depois do Generative UI temos o AI-native devices
A provocação da Nothing aponta para a hiperpersonalização dos sistemas operativos, algo que surge como um passo seguinte em relação ao que já conhecemos destas plataformas. Esta visão contrasta com o modelo atual das app stores, focado em soluções prontas que servem a maioria. A ideia aqui é outra, criar algo 100% dedicado ao caso de uso individual de cada pessoa, de forma conversacional.
O primeiro passo da Nothing nesse caminho foi lançar a plataforma Essential Apps, que permite aos utilizadores criarem ferramentas e apps por conversa, mas com uma diferença crucial, elas estão integradas diretamente no sistema operativo.
O futuro da hiper-personalização
Até agora, a hiperpersonalização focava-se no uso de dados em tempo real para ajustar experiências ou jornadas. Com a geração de UI, abre-se um novo cenário: apps e ferramentas que se criam a elas próprias, moldando-se de acordo com o contexto de cada utilizador.
Se pensarmos bem, o futuro da hiperpersonalização pode estar numa mistura entre interfaces adaptativas, que respondem ao contexto e objetivo dos utilizadores, e a possibilidade de estes criarem as suas próprias soluções dentro do sistema operativo.
Ou seja, não vamos apenas ser pró-ativos em oferecer essa hiperpersonalização. Vamos também dar liberdade para que cada pessoa construa aquilo que sente estar em falta na sua experiência. Criando, assim, contextos únicos e preenchendo lacunas específicas em jornadas individuais.
Os desafios atuais do fluxo prompt → criação → Iteração
Mas se este futuro é promissor, a realidade de hoje ainda tem vários obstáculos.
Na última vez que criei uma app recorrendo a ferramentas de vibe coding, tive sempre de recorrer a algum trabalho manual para chegar ao resultado final que pretendia. Senti que foram necessárias muitas idas e vindas para conseguir instruir bem o modelo. Ainda assim, é inegável que este processo é mais rápido do que programar tudo do zero.
Vivemos numa tech bubble. Nem todos partilhamos o mesmo nível de literacia digital e isso cria barreiras. Além disso, ainda não existem modelos mentais claros que nos ajudem a estruturar prompts capazes de traduzir fielmente as nossas ideias.
A criatividade nem sempre se deixa capturar em palavras. A linguagem natural é ambígua e o mesmo prompt pode ser interpretado de formas muito diferentes. Por isso, quase nunca o primeiro output corresponde ao que queremos. É preciso iterar, ajustar e aprender a formular melhor.
Outro desafio é a falta de feedback estruturado. Muitas ferramentas não permitem alterar só um detalhe já gerado. Obriga-nos a voltar ao prompt e refazer a lógica toda, o que quebra a fluidez do processo criativo.
E existe ainda uma curva de aprendizagem invisível. Com o tempo, vamos descobrindo como “falar a língua da máquina”, mas esse conhecimento não está documentado. Aprende-se na prática, quase de forma tribal, e isso cria mais uma barreira de entrada para quem não domina a tecnologia.
Como ultrapassar alguns destes desafios através de estratégias de prompt (prompting strategies)
Normalmente a melhor estratégia é usar a estratégia Few-shot e Chain-of-thought em combinação, mas fica aqui uma explicação geral dessas estratégias.
Zero-shot
Prompt: “Cria uma app para encomendar pizza.”✅ O modelo dá logo um fluxo básico: escolher pizza, carrinho, pagamento.
❌ Pode faltar detalhes importantes (tracking da entrega, personalização de ingredientes, promoções).
One-shot
Prompt: “Exemplo: numa app de hambúrgueres o fluxo é → escolher hambúrguer → escolher toppings → carrinho → checkout. Agora aplica o mesmo raciocínio para pizzas.”✅ Já orienta bem, modelo mapeia o processo de hambúrguer para pizza.
❌ Fica limitado ao exemplo, pode não inovar.
Few-shot
Prompt:Exemplo 1: App de sushi → funcionalidades: escolher prato, personalizar molho, agendar entrega.
Exemplo 2: App de padaria → funcionalidades: encomendar pão fresco, subscrição semanal, notificação de pronto a levantar.
Exemplo 3: App de hambúrgueres → funcionalidades: toppings, combos, programa de fidelidade.
Agora com base nestes exemplos cria uma app para encomendar pizza: inclui funcionalidades como escolha de massa fina ou grossa, extra queijo, combos familiares, vinhos italianos, programa de pontos e tracking em tempo real.
✅ O modelo percebe diferentes tipos de funcionalidades recorrentes e aplica ao negócio da pizzaria.
✅ Garante riqueza e diferenciação.
❌ Requer esforço de preparar exemplos.
Chain-of-thought (CoT)
Prompt: “Explica passo a passo como decides as funcionalidades essenciais de uma app de pizza, pensando na experiência cozy italiana. Depois lista o fluxo final da app.”✅ O modelo vai raciocinar: “O utilizador começa com fome → deve ver pizzas populares na home → pode personalizar ingredientes → precisa de checkout rápido → quer acompanhar a entrega → pode guardar preferências para a próxima vez.”
✅ Funcionalidades ficam melhor justificadas.
❌ Mais longo e menos imediato.
Estamos só no início de uma nova era em que cada pessoa pode moldar as suas próprias ferramentas. A forma como aprendermos a dialogar com a máquina vai definir que futuro queremos construir.
Até ao próximo Snack, todas as quintas-feiras às 18h